Um blogue na sua segunda época e agora sem objectivos materialistas e apostas por resolver. Pancadinhas no ombro, sentimentos de desilusão e mágoa e bilhetes para o próximo jogo do Sporting podem ser enviados para adeuscianeto@gmail.com

terça-feira, 1 de julho de 2008

Vamos passar a coisas sérias

Na altura em que deixei de fumar, um reputado crítico literário sugeriu-me as Confissões de Zenão de Italo Svevo, um livro em forma de memórias escritas por um homem para o seu psiquiatra. Dentre todas as suas angústias, a de não conseguir deixar de fumar foi para si próprio a mais ilustrativa das suas frustrações e da forma como lidava com decisões. Zenão desistiu cedo de fumar, durante uma pneumonia - ainda morava com o pai - e voltou a fumar nesse mesmo dia às escondidas. Aconteceu o mesmo no dia seguinte e a partir daí haveria de marcar repetidamente datas cujo simbolismo ajudasse a fortalecer a decisão (o proletário entende isto das datas simbólicas). Assim o fez com capicuas, aniversários importantes, chegou a escolher datas sobre as quais tivesse a certeza não existir qualquer tipo de associação possível ou sequência numérica interessante. Cumpriu todas as datas que estabeleceu e falhou-as todas imediatamente depois.

Compreendo bem como funciona a mente deste homem, mas a minha experiência foi sempre muito menos literária e mais linear. Tudo demasiado gradual, estive sempre mais perto de uma brochura de centro de saúde que de uma crónica só ligeiramente interessante, mas agora, agora que experimentei outra vez o que é fumar, a consciência de Zenão começa a cumprir-se neste blogue. De uma forma diferente que não tem a sua estrutura num calendário simbólico mas na decisão quase diária de não voltar a fumar como dantes. Não é que eu esteja a fumar todos os dias, pelo contrário, mas agora acontece que fumo, quando por vezes me apetece fumar. Vivo na ilusão e tentação de fumar apenas à noite socialmente e de ser capaz de o fazer. Nunca me apetece fumar de manhã, mas sinto que, como Zenão, regresso sempre que acordo à resolução inicial cada vez mais corroída mas tão essencial como da primeira vez. Apenas um pouco mais astutamente.