Um blogue na sua segunda época e agora sem objectivos materialistas e apostas por resolver. Pancadinhas no ombro, sentimentos de desilusão e mágoa e bilhetes para o próximo jogo do Sporting podem ser enviados para adeuscianeto@gmail.com

terça-feira, 3 de junho de 2008

Regressos

Não é que o episódio do Sócrates no avião nos tivesse desencorajado de continuar na abstinência, mas ficámos um pouco envergonhados por partilhar o projecto, ainda que apontado para um confortável futuro incerto, de deixar de fumar com o primeiro-ministro. É altura agora de seguir em frente, deixar para trás este triste episódio que sozinho não poderá manchar a gloriosa caminhada dos ex-fumadores sérios e compreender que da mesma maneira que há bons e maus jornalistas, bons e maus professores, bons e maus auxiliares da acção médica, bons e maus serigrafistas, existem também bons e maus ex-fumadores. Nenhuma classe está livre.

Foi sem pensar nisso que descobri por acidente que hoje é dia 3 de Junho, e portanto quatro meses que etc. etc. Quatro meses depois de se deixar de fumar, já todas as estatísticas gostam de nos empurrar para um local agradável onde a respiração voltou ao normal e praticamente todos os sintomas de quem fuma em excesso, desapareceram. Claro que dei por mim a querer testar isso imediatamente tentando por duas vezes, uma num jogo de futebol e outra num jogo de vólei na praia, as duas unicas modalidades que alguma vez pratiquei na vida.

O jogo de futebol correu como se esperava. As minhas articulações sofreram muito e ainda agora passadas duas semanas, sinto nas cartilagens o erro que cometi. Marquei dois bons golos, um dos quais me exigiu um sprint de dois metros que me obrigou a sair de campo a arfar sem fôlego (e a querer fumar um cigarro). Para concluir ficámos a saber que eu marco bons golos frequentemente, e que mesmo sem tabaco cá dentro há quatro meses o fôlego é escasso e trai-nos à primeira oportunidade.

O jogo de vólei foi diferente. Não estou debaixo de uma rede desde os 20 anos de idade, altura em que tinha menos 20 quilos ou mais, o que permite - descobri ontem - saltar a niveís completamente diferentes (o suficiente para agora ser impossível rematar, por exemplo). Descobri também que que é possível ficar cansado após um ou dois sets e ainda que não sei jogar este desporto, com dúvidas muito sólidas sobre se não é uma memória inventada alguma vez ter tocado numa bola de vólei.

A Figueira da Foz é uma terra de básquete e nunca tratou bem pessoas que, como eu, nasceram para mudar o voleibol nacional, mas ainda assim, entre a praia e os torneios da escola, lá fui descobrindo que a minha vida era aquilo. Estamos a falar de um sítio (a praia da Plataforma) em que era possível ver oito putos com o cabelo espetado para o lado à Andrea Lucchetta, graças a quem acompanhávamos da mesma forma os jogos da equipa de futebol e de vólei do Milan. Seria de esperar que um discurso destes acompanhasse um grande jogador de vólei, mesmo que agora com 32 anos, mas o dia de ontem veio provar que o tempo é cruel com as nossas pequenas habilidades, e nem vale a pena alongar-me sobre o que se passou naquela praia.

Mas posso ainda refugiar-me no terreno de jogo, um último recurso com que me brindaram. Actualmente as pessoas levam a sua própria rede para a praia, o que não sendo descabido, tem a chatice suprema de ter que se montar mastros e rede na areia, tarefa para uma meia-hora bem passada. A grande vantagem deste processo é poder escolher com precisão o local onde queremos jogar e foi o que fizémos. Naquelas várias centenas de metros quadrados, optámos por fazer o campo no local onde esteve anteriormente um bar, agora demolido. Debaixo do fino areal de Santo Amaro encontrava-se um mar de entulho pontiagudo e contundente, constituído sobretudo por pedras e bocados de cimento (alguns dos quais tiveram que ser carregados do campo por duas pessoas), pregos, cavilhas (nº27, creio), e pequenas placas metálicas triangulares com um 'reservado' gravado. Como é evidente refreámos os mergulhos, que é uma das únicas razões que leva pessoas a jogar vólei, e ainda assim regressámos com a carne marcada como cristos. E perdemos todos os jogos, os meus dedos não obedecem, já não sei o que é uma manchete, nunca mais rematarei na vida e sou completamente inútil no bloco. Com a desculpa do tabaco excluída, resta-me pouco para explicar isto. Quinta-feira volto lá.