Há um texto de poucas linhas do Julio Cortázar daqueles que soam a filosofias de trazer por casa mas que inevitavelmente são verdadeiros, que conta que quando nos oferecem um relógio nunca nos oferecem apenas um relógio mas também o medo de ser roubado ou de o perder, a obrigação de lhe dar corda, o vício de ver as horas constantemente e mais uns quantos brindes do género. Quando se começa a fumar também ninguém é prevenido para alguns dos novos comportamentos que aí vêm. Podemos ser prevenidos para a doença, mal-estar, o dinheiro que se perde, cheiros desagradáveis, enfim, as listas são conhecidas e extensas, mas é raro ser avisado dos planos que vamos fazer antes de uma viagem, dos cafés onde não vamos querer estar por não se fumar e do desconforto de prever a falta de cigarros e ter que fazer alguma coisa por isso, ou o pior de todas, ficar sem tabaco e não poder fazer nada para voltar a ter.
Falhei sempre do alto nestes planeamentos e era frequente ficar sem cigarros, portanto também era frequente sair tarde de casa para ir a uma bomba comprá-los. De todas essas vezes lembrava-me e invejava o Philip Seymour Hoffman no Magnolia, enquanto fazia de enfermeiro, a telefonar para uma loja e pedir comida e um maço de cigarros para entregar em casa. Fiquei tão impressionado com a utilidade daquele serviço que tenho a imagem desse telefonema mais presente do que a chuva de sapos. Eu que sou um rapaz tímido não hesitei nunca em pedir um cigarro a desconhecidos se precisasse, fiz sempre os desvios mais complicados se fossem necessários para comprar cigarros, mas nunca me permitiria ficar sem tabaco se o pudesse evitar. Durante anos fiz semanalmente viagens para Lisboa pela A1 ou de comboio. O comboio nunca me trouxe problemas. À altura havia carruagens para fumadores e vendia-se cigarros. O autocarro expresso era outra preciosidade em que se podia fumar no piso inferior, que até era bastante mais confortável. Os anos 90 começam a parecer um sítio distante. Só que havia uma característica nessa altura que se esbateu, mesmo que as minhas viagens sejam agora muito menos frequentes: a facilidade com que a auto-estrada entupia ou que o comboio tinha que parar. Por horas. Aconteceu-me mais vezes do que gostaria ficar parado por mais que duas horas, mas por sorte só numa delas estava sem cigarros, e estava de carro sozinho a dez quilómetros de uma estação de serviço. Uma fila parada é aborrecido, sem cigarros é desesperante. Era por me sentir sempre assim na falta ou perspectiva de falta de cigarros que achava que era impossível deixar de fumar. Se era assim por períodos de meia-hora o que seriam dias inteiros.
Por esta altura já toda a gente deve ter visto o vídeo de Nicholas White preso num elevador. Após uma pausa para fumar, para o que teve que descer do 43º andar do edíficio onde trabalhava até à rua, o homem meteu-se num elevador expresso (sem paragens até ao 39º andar) que a meio da viagem parou. Por 41 horas. Ele tinha três cigarros, tinha deixado telemóvel e relógio no escritório. Elevadores e cigarros tendem a não combinar bem. Nick Paumgarten escreveu para a New Yorker sobre White e elevadores no geral, da quase impossibilidade destes cairem ou de alguém ficar realmente ferido por culpa de um elevador e do medo (ou respeito, vá) que tanta gente tem de andar num. A fobia está muito mais direccionada para o medo de ficar a pensar horas sozinho do que com a possibilidade de acidente. E no meio de tanta coisa que se pode escrever sobre elevadores há quase sempre um cigarro, no texto. Os do White, sobretudo. Noutros tempos teria lido este relato avidamente como quem lê o mais angustiante dos contos de terror, mas agora não. Rapidamente passei da história do prisioneiro para o deslumbramento por elevadores. Se puder mudar de emprego agora quero ser técnico de elevadores. Tudo aqui.
Falhei sempre do alto nestes planeamentos e era frequente ficar sem cigarros, portanto também era frequente sair tarde de casa para ir a uma bomba comprá-los. De todas essas vezes lembrava-me e invejava o Philip Seymour Hoffman no Magnolia, enquanto fazia de enfermeiro, a telefonar para uma loja e pedir comida e um maço de cigarros para entregar em casa. Fiquei tão impressionado com a utilidade daquele serviço que tenho a imagem desse telefonema mais presente do que a chuva de sapos. Eu que sou um rapaz tímido não hesitei nunca em pedir um cigarro a desconhecidos se precisasse, fiz sempre os desvios mais complicados se fossem necessários para comprar cigarros, mas nunca me permitiria ficar sem tabaco se o pudesse evitar. Durante anos fiz semanalmente viagens para Lisboa pela A1 ou de comboio. O comboio nunca me trouxe problemas. À altura havia carruagens para fumadores e vendia-se cigarros. O autocarro expresso era outra preciosidade em que se podia fumar no piso inferior, que até era bastante mais confortável. Os anos 90 começam a parecer um sítio distante. Só que havia uma característica nessa altura que se esbateu, mesmo que as minhas viagens sejam agora muito menos frequentes: a facilidade com que a auto-estrada entupia ou que o comboio tinha que parar. Por horas. Aconteceu-me mais vezes do que gostaria ficar parado por mais que duas horas, mas por sorte só numa delas estava sem cigarros, e estava de carro sozinho a dez quilómetros de uma estação de serviço. Uma fila parada é aborrecido, sem cigarros é desesperante. Era por me sentir sempre assim na falta ou perspectiva de falta de cigarros que achava que era impossível deixar de fumar. Se era assim por períodos de meia-hora o que seriam dias inteiros.
Por esta altura já toda a gente deve ter visto o vídeo de Nicholas White preso num elevador. Após uma pausa para fumar, para o que teve que descer do 43º andar do edíficio onde trabalhava até à rua, o homem meteu-se num elevador expresso (sem paragens até ao 39º andar) que a meio da viagem parou. Por 41 horas. Ele tinha três cigarros, tinha deixado telemóvel e relógio no escritório. Elevadores e cigarros tendem a não combinar bem. Nick Paumgarten escreveu para a New Yorker sobre White e elevadores no geral, da quase impossibilidade destes cairem ou de alguém ficar realmente ferido por culpa de um elevador e do medo (ou respeito, vá) que tanta gente tem de andar num. A fobia está muito mais direccionada para o medo de ficar a pensar horas sozinho do que com a possibilidade de acidente. E no meio de tanta coisa que se pode escrever sobre elevadores há quase sempre um cigarro, no texto. Os do White, sobretudo. Noutros tempos teria lido este relato avidamente como quem lê o mais angustiante dos contos de terror, mas agora não. Rapidamente passei da história do prisioneiro para o deslumbramento por elevadores. Se puder mudar de emprego agora quero ser técnico de elevadores. Tudo aqui.