Um blogue na sua segunda época e agora sem objectivos materialistas e apostas por resolver. Pancadinhas no ombro, sentimentos de desilusão e mágoa e bilhetes para o próximo jogo do Sporting podem ser enviados para adeuscianeto@gmail.com

quarta-feira, 30 de abril de 2008

Vidas simples

Pessoas como eu cresceram a ver filmes de duas maneiras: os que davam na RTP e os do clube de vídeo local, o Steps. Com o Steps aprendi tudo sobre os blockbusters dos anos 80 e ainda tive oportunidade de andar por meandros menos aconselháveis. O Ninja III, She - A rainha da guerra e do amor ou o Commando (média de 6.0 no imdb...), passavam sem filtro pelo cartão de sócio do meu pai e pela minha influenciável mente. Foi bom para relativizar. É em parte por isso que eu sempre soube que o Indiana Jones ou o Regresso ao Futuro são bons filmes, mesmo quando já havia gente mais retorcida que me dizia que não. Na RTP era tudo diferente, sobretudo porque eu era ainda mais novo e só me interessavam dois géneros de filmes. Os de piratas (que na verdade se resumem a dois com o Errol Flynn - sei tudo sobre o Dr. Blood e o Gavião dos Mares) e os de cowboys, estes sim, às dezenas, vistos com o meu pai e pipocas. A instituição das pipocas naquela casa era das mais valiosas que tínhamos, e foi a primeira coisa - digamos - cozinhada que eu soube fazer. Além disso o processo parecia-me extremamente solene, fosse pelo tacho exclusivo das pipocas, pela barulheira de tudo aquilo ou por a minha mãe não se importar que usássemos um pano de cozinha para limpar as mãos quando acabávamos de comer (tudo para salvar os sofás, agora compreendo).

Passado uns anos os meus filmes começaram a ser vistos em salas de cinema e o homevideo ressentiu-se. Também as pipocas ficaram mais raras, os filmes em casa passaram a ser acompanhados por cigarros estrategicamente colocados (como os do futebol). Nos últimos dias, naquilo que espero não ser uma crise de meia-idade, comecei a ver westerns e aventuras afins clássicas (o Blade Runner veio bem a calhar neste contexto) e fiquei preocupado com algumas coisas. A falta de pipocas foi o primeiro desconforto. Nem sei se os cigarros seriam sucedâneo suficiente e agora também não tenho como testar. Não tenho uma panela para pipocas, o meu fogão é de vitrocerâmica* e não sei se é possível fazer pipocas nestas condições. As de micro-ondas são um bom petisco mas não é a mesma coisa. Tenho tentado passar isto à frente, mas dava-me jeito encontrar uma solução nos próximos dias. Outro desconforto novo foi passar a gostar de ver o John Wayne e deixar de gostar do Clint Eastwood, uma situação que se inverteu diametralmente desde a infância. Comecei por ver o Rio Bravo e a Desaparecida de seguida e bastou-me para fazer opinião. Do Charles Bronson continuo a gostar da mesma forma, valha-me isso. Uma outra situação grave é que a maior parte do que se passa nestes filmes, e que eu devia lembrar-me com alguma clareza, passou-me completamente ao lado quando os vi em miúdo, aparentemente. E ainda estou a falar só de guiões, argumentos, etc. A surpresa maior estava reservada para mais tarde: eu fazia lá ideia que havia mulheres nestes filmes! Está um tipo descansado a ver cowboys e a Claudia Cardinale sai de um comboio, a Angie Dickinson desce de uma diligência, a Natalie Wood está dentro de uma tenda de índios. Mas o que é isto? Juro que não sabia de nada até há poucos dias atrás.

O torcicolo está quase bom, também graças a isto. Um saco de água quente, um bom sofá, um relaxante muscular (são comprimidos) e westerns em sessões contínuas garantem resultados infalíveis.

*É bem possível que seja a primeira vez que esta palavra foi escrita em toda a blogosfera nacional.