Um blogue na sua segunda época e agora sem objectivos materialistas e apostas por resolver. Pancadinhas no ombro, sentimentos de desilusão e mágoa e bilhetes para o próximo jogo do Sporting podem ser enviados para adeuscianeto@gmail.com

sexta-feira, 29 de fevereiro de 2008

Cigarros de vitória

Só agora que estou há praticamente um mês sem fumar é que descubro que talvez isto não seja nada de especial. Ouço agora de todo o tipo de fumadores que é comum passar-se algumas temporadas sem fumar, ou pelo menos que já o fizeram uma vez. Para alguém como eu isto era absolutamente impensável. Nunca me passou pela cabeça ficar um dia sem fumar. Por um lado porque achava parvo e não via, nem vejo, o objectivo de quem quer que fosse fazer uma coisa dessas, e por outro porque nunca seria capaz. O mais certo é que estejam todos a mentir.

Tenho encarado isto como dar toques numa bola, ou seja, o gajo que consegue dar cinquenta, sessenta toques consegue dar mil ou dez mil - a técnica está lá, fica provada ao toque 20, para aí - mas talvez me aperceba agora que é exactamente o contrário que se passa. Um mês é diferente de um ano e um ano diferente de dez. É muito provável que eu tenha sido enganado. Não bastando, o entusiasmo das pessoas pelo meu acto heróico vai esfriando. Agora que me começo a destacar espectacularmente da massa de fracassados que não passaram de uma ou duas semanas, é que o interesse jornalístico pela minha minha história esmorece. Imagino como será aos três meses. Ninguém se lembrará que fumei. E quando num Portugal x França lá para fins de Junho eu resistir a puxar de um cigarro nos penáltis, ninguém ficará impressionado com isso. Começa a deixar de fazer sentido isto de deixar de fumar.

O que já é certinho é que vão todos reparar quando eu tiver engordado os tais trinta quilos. As pessoas hão-de de dizer 'olha, lá vai o badocha, coitado. Deixou de fumar e ficou logo assim. É tramado isto, não se pode', após o que puxam uma baforada misturada com suspiro. São pessoas magras, estas. É que apesar do que tentam convencer-nos, não há sinais de falta de saúde entre os fumadores. Admito um ou outro sinal de aparente envelhecimento e há o amarelar de tudo o que nos rodeia, mas são coisas que têm solução, ou então boas em si. Quando se deixa de fumar fica-se irremediavelmente gordo, ansioso e moralista. São logo os três planos do indivíduo que vão com os porcos.

Cresci portanto nesta crença de que o tabaco faz mal, e fui bem educado nesse sentido. A certa altura da minha vida, no entanto, andava eu pelos doze anos e estava a ver um jogo do Benfica, no qual o Mozer tinha sido castigado e estava na bancada. Eu sou uma boa pessoa, e já na altura era um bom miúdo, mas tive sempre uma admiração enorme pelo Mozer. É possível que o meu modelo de defesa-central fosse o Mozer. Enquanto o Nicolau de Melo (lembro-me bem de ser o Nicolau de Melo que relatava o jogo, portanto é quase certo que jogávamos contra o Boavista ou o Salgueiros) organizava os seus apontamentos, o realizador dá-nos um plano do Mozer na bancada. Isto aconteceu cerca de quatro, cinco vezes durante todo a transmissão e em todas elas o homem estava a fumar com um prazer desmedido. Nunca em dias de vida tinha pensado que era possível um gajo jogar à bola e fumar, mas estava ali a prova à frente dos meus jovens olhos.

Fiquei a pensar nisto até ao fim do jogo, e mesmo depois de ter comido as últimas três mousses no frigorífico e enquanto ficava a olhar a ponte nova pela janela da marquise. Não cheguei a nenhuma conclusão, mas sei que reflecti muito. Tinha ouvido anos antes alguém garantir que o Futre fumava cerca de meio maço por dia, mas achei que isto eram detractores, e realmente era gente do Sporting que me tinha contado isso. Só quando finalmente ouvi o João Vieira Pinto dizer que fumava quase um maço, já no Benfica, é que meti na cabeça que os jogadores de futebol fumam (por alguma razão interiorizei que o Mozer estava a fumar às escondidas).

O João Pinto agora parece que vai para os EUA e provavelmente não terá uma vida fácil. Se ele quiser entretanto algum apoio para deixar de fumar em ambientes hostis, pode contar com a minha consultoria, e nem lhe levo um tostão que seja. Gostei sempre muito do João Pinto, mesmo em alturas muito idiotas da história recente do Benfica. Há ali uma coragem que não é muito habitual ver-se em campo, mas isto é difícil de explicar às pessoas, e também não é aqui o sítio indicado.

Guardo cuidadosamente comigo aquela imagem muito conhecida do 6-3, não sei se estão a ver, em que o JVP é substituído, e vai junto à linha para o balneário e recebe os parabéns do Carlos Queirós. Aquele ar do gajo deve levar ali dentro muita coisa, mas uma delas é de certeza a imagem do cigarro de missão cumprida que vai fumar assim que chegar lá abaixo e se sentar no banco corrido.

Concluindo, este post serve para deixar um abraço sentido ao João Pinto agora que parece que se vai embora e deixar-lhe o meu email (gouveia@gmail.com) para o caso de precisar de alguma ajuda com aquilo de deixar de fumar. E já agora confirmavas-me se sempre fumaste o tal cigarrinho no balneário naquele dia.