Um blogue na sua segunda época e agora sem objectivos materialistas e apostas por resolver. Pancadinhas no ombro, sentimentos de desilusão e mágoa e bilhetes para o próximo jogo do Sporting podem ser enviados para adeuscianeto@gmail.com

quarta-feira, 5 de março de 2008

Carta para África

Lisboa, 5 de Março de 2008

Meu Querido José (nome fictício),

Foi com grande consternação que soube das dificuldades que passas por terras africanas, e toma por verdadeira a minha prosa quando te digo que nenhum prazer cresce em mim de te saber derrotado pública e vergonhosamente nesta aposta em que embarcámos. Mas por negro e terrível que seja o prémio da nossa contenda, entendo agora que há mais qualquer coisa que nos move.

Por cá, deixa-me garantir-te, continua a ser fácil não fumar. Embora a felicidade de ter isto como prova da superioridade da minha força de vontade sobre a tua fosse extraordinária, nada podia ser mais falso. Não é por convicção, nem por força de espírito, nem por medo de doenças, nem por conveniência, nem pelo estupendo prémio da nossa aposta, e nem sequer por despeito como já me ouviste afirmar, que tenho tido este sucesso fugaz de pouco mais de um mês. Sorte.

É mera sorte o que me tem feito não pensar em cigarros, não me apetecer fumar e não ter saudades por aí além de mandar umas passas, neste ou noutro qualquer composto adictivo. Sorte, porque se for verdadeira a tua angústia, e não um dos números com que por vezes alegras as nossas diatribes, se for verdadeira então posso garantir-te que eu próprio já teria cedido.

E como vai a tua vida por esses ermos? Viste o Sporting x Benfica? Vocês foram um bocado roubados, posso dizê-lo com segurança, mas um dos penaltis foi sobre o Purovic. Na verdade foi sob o Purovic , que o gajo foi puxado por baixo, e lamento que não visses a expressão de tristeza genuína no miúdo, após controlar na coxa a bola, já na pequena área.

Ficou também um pouco surpreendido - ele próprio o reconheceria - mas a verdade é que nunca saberemos se conseguiria dominar tão bem o esférico se não beneficiasse do movimento de queda, que não foi, ao contrário do que dizem, provocado por ele.

Queria ainda dar-te os parabéns pela utilização cada vez mais subtil do palavrão no teu texto escrito e é sem ironia que o digo. Como sabes já desisti desse propósito há muito, visto que qualquer caralho que tento enquadrar num texto sai tão deslocado como um quarteto de cordas numa orquestra de jazz. Alguns dos teus ainda padecem desse mal, mas aqui e ali dás mostras de que em breve talvez já uses a asneira com a naturalidade de um advérbio. Invejo-te um pouco.

Resiste, meu caro, resiste, que estamos a cerca de três meses do matrimónio de amigos queridos, altura em que ninguém nos levará a mal se prevaricarmos com um cubano (ainda que de Sacavém). E ai de quem se lembrar de repetir a gracinha de nos estragar o momento como nos fizeram ao último cigarro.

Despeço-me com amizade,
S.