Um blogue na sua segunda época e agora sem objectivos materialistas e apostas por resolver. Pancadinhas no ombro, sentimentos de desilusão e mágoa e bilhetes para o próximo jogo do Sporting podem ser enviados para adeuscianeto@gmail.com

segunda-feira, 31 de março de 2008

Cof

Já passei quase dois meses e já não preciso de truques para fazer os dias passar. Sobretudo acabaram-se as novidades, e as mudanças são muito lentas, se as há. Não quero parecer ingrato mas para além de continuar a sentir-me a pessoa mais espectacular do mundo por ter atingido o que eu achava há dois meses e pouco impossível, não há alterações assinaláveis. Ou é um merecido castigo por me armar em mete-nojo, ou, como não me custou por aí além, equiparo a recompensa ao esforço, o que dá pouco.

Há pouco tempo, procurei e dei com dois ou três blogues como este - diários de pessoas que deixavam de fumar - e achei que cumpriam a sua função muito melhor que o Cianeto. Têm uma beleza muito própria porque quase todos acabam com um post normal. Isto é, o último post é sempre uma entrada quotidiana e logo a seguir o blogue pára, ficando tudo suspenso como uma cidade-fantasma da qual as pessoas sairam a correr com as tarefas a meio. Parece-nos que voltaram a fumar embora isso nunca seja explicado, e na verdade até pode ser que se tenham apenas cansado de escrever sobre dias iguais, mas este meu encanto pela estética do fracasso faz-me preferir e acreditar na primeira. Não é só este apontamento romântico que me fez gostar dos outros diários, mas também a opção por um diário literal ("hoje de manhã apeteceu-me fumar e não fumei; hoje depois do almoço foi muito difícil; hoje sofri muito à noite mas depois lá passou; mais um dia, mais quatro euros no bolso") que não se tornava chato. Fosse por lhes desejar o fracasso a cada dia, fosse por anotar as boas-práticas do processo, acabei por ler diriamente aquelas entradas, que só em perspectiva não eram monótonas. E não eram.

Eu escrevi acima que as mudanças na minha vida agora que não fumo são poucas e acontecem lentamente. Já não tenho dedos de fumador, o que era um bocado nojento, reconheço, mas talvez só por si não valesse o esforço. Para além disto só há uma outra de que me apercebi recentemente: deixei de tossir. A minha tosse tão característica quanto o meu nariz ou o cabelo preto, pelo menos para quem me conhecesse há meia-dúzia de anos, deixou de existir. Só que eu não sei em que dia é que deixei de tossir. Depois de anos de expectoração e barulhos confrangedores para todos os que estivessem à distância de me ouvir, fosse verão ou inverno, a qualquer altura do dia ou da noite, em que saltavam das profundezas dos meus pulmões nem sei muito bem que tipo de mucos. Peço desculpa por este bocadinho.

Desenvolvi ao longo dos anos estratégias para reduzir o estrondo da minha tosse, pelo menos em público. Aprendi a reconhecer tipos de expectoração, se era ocasional ou se se avizinhavam dias inteiros a tossir. Convivi com esta situação seis ou sete anos e de repente, do nada, fico só. Não esperava por isto. Tinha sido informado que os dias seguintes ao ultimo cigarro seriam preenchidos de violentas tosses a expulsar toda a matéria alienígena dos meus pulmões após o que teria paz. Os primeiros dias podem não ter sido o inferno que esperava mas também não foram nenhum passeio à beira-mar, portanto a última coisa que me preocupava era verificar se todos os sintomas previstos aconteciam. A tosse nunca aconteceu. Outros devem ter havido, mas da tosse redentora nem de um cófe envergonhado me lembro.

Reparei nisto há poucos dias quando me engasguei e tossi. O regresso dessa velha amiga aí estava durante poucos segundos, mas com uma vingança não anunciada. Os meus pulmões são agora mais frágeis e de cada vez que tusso dói-me peito, garganta, amígdalas e outras zonas que a minha fraca cultura anatómica não permite nomear. Suponho que, livre de uma camada de alguma coisa que me cobria por dentro (que rigor nesta frase), todo eu fiquei mais frágil e desprotegido. Tossir, que é agora tão raro, é também muito mais doloroso, mas agora já não vejo as caras de compaixão e até algum desdém que via nos outros, quando a expectoração era tão natural e simples como respirar com dificuldade. Acabou-se a tosse, é oficial. Ganhar fôlego é que já é outra conversa e que não deve estar para breve.