Aqui há uns cinco ou seis anos fui ver Breeders ao Paradise Garage e cheguei lá bem cedo como era mais ou menos habitual sempre que ia ali ver alguém tocar. Não há dinheiro que pague uma cervejinha descansada antes de um concerto e quando acontece ser num bar, sabe ainda melhor, e é obviamente mais fácil. Lá dentro, além da malta do som atarefada a correr de um lado para o outro do palco e de uma ou duas pessoas no meio do bar, com papéis na mão e com ar de estar a tratar dos últimos pormenores de um negócio quase fechado, estava uma mulher no balcão, de costas para mim mas que qualquer pessoa reconheceria logo como a Kim Deal. E era.
Este tipo de coisas nunca me acontece, nem eu sei muito bem o que fazer com elas e é quase impossível eu cruzar-me com alguém que queira conhecer. Não é por falta de interesse, pelo contrário, mas é assim a minha vida. Isto foi em 2002 (a 13 de Junho, mais concretamente; aquilo ali na primeira linha do "aqui há uns cinco ou seis anos" é um tique idiota que tenho para dar um ar de quem não quer saber) e portanto os Pixies estavam ainda irremediavelmente separados e eu tinha ali, sentada sozinha ao balcão, a diva indie dos finais de 80. É certo que não esperava que a diva ocupasse tanta área do banco, mas como eu nunca desenvolvi a crush que os meus amigos tinham pela chavala, foi mais uma questão de estranheza do que desilusão. Não desenvolvi a crush com alguma pena também, porque a Kim Deal pode estar enorme, mas era uma miúda gira a valer. Sou até capaz de abrir uma excepção na política interna do blogue e colocar um vídeo exemplificativo disso mesmo no final do post.
Ir até ao balcão foi fácil e era a única coisa lógica a fazer, mas daí a saber o que dizer a seguir já era todo um outro desporto. Depois de pedir uma cerveja olhei dois bancos para o lado e vi uma criatura com o ar mais ressacado do planeta. Não me lembro de alguma vez ter acordado após a mais violenta noite de copos com um ar sequer parecido, e naquele caso já passava das oito da noite. Estava também a beber uma cerveja, curvada sobre o balcão e a olhar para a frente sem muita atenção, desviando os olhos apenas quando levava o cigarro à boca. O ar romântico deste cenário todo é absolutamente verdadeiro, rogo-vos que acreditem. A Kim Deal estava mesmo ao balcão de um bar vazio, com luz fraca e com aquele ar de artista boémio que caiu em desgraça.
Não havia nada parecido com uma boa coisa para dizer a passar-me pela cabeça. Felizmente controlei-me e não disse coisas estúpidas como I'm a humble guy with healthy desire (puxar por versos do Frank Black teria sido de uma inteligência sem precedentes) e também não lhe tentei explicar que a Sagres é uma cerveja melhor do que a Super-Bock que ela bebia, porque já sabia que não havia e eu próprio estava a beber a mesma coisa. Achei que pedir-lhe um cigarro era sensato e um bom princípio. Ninguém recusa um cigarro a um fumador, disse para mim muito contente, é um código que temos (eles têm e eu tinha) e que ninguém quebra. Mas logo a seguir pensei melhor e não é bem assim. Já há uma corrente com muitos adeptos que dizem orgulhosos a quem passa e pergunta por tabaco que têm cigarros mas que não vão dar. Não só não penso mal destas pessoas como por vezes gostaria de ter sido assim, mas eu nunca tive uma alma muito subversiva e custa-me quebrar regulamentos sociais se não tiver mesmo que ser. De qualquer modo o melhor era mesmo excluir o cigarro e pensar rapidamente noutra estratégia.
Lume! Genial! Lume e as horas dão-se sempre, é impossível recusar um pedido destes, e depois enfim, logo se via, podia até ser que ela tratasse do resto da conversa. Assim que limpei discretamente a voz pedi-lhe lume do isqueiro que ela tinha à frente em cima de um maço de Marlboro. O que se passou depois não é nada grave e nem eu esperava outra coisa: revirar os olhos, suspirar ruidosamente,levantar-se do banco, olhar-me de cima a baixo e uns intimidantes segundos a olhar-me fundo nos olhos para logo a seguir me virar costas e dirigir-se rapidamente para trás do palco a praguejar qualquer coisa baixinho, sem sequer me mandar à merda (com palavras, quero dizer). Houve gente mais maltratada nessa noite, como o rapaz da primeira fila que pediu Pixies e que levou com um copo (de plástico) em cima ou o baixista novo que não acertou com a intro do Cannonball e que teve que a ouvir furiosa a chamar-lhe incapaz enquanto lhe mostrava como se fazia na guitarra, por isso até é bem provável que naquele suspiro enquanto atirava os olhos para cima estivesse algum carinho. De outro modo teria com certeza chamado o segurança para me pôr dali para fora.
Este tipo de coisas nunca me acontece, nem eu sei muito bem o que fazer com elas e é quase impossível eu cruzar-me com alguém que queira conhecer. Não é por falta de interesse, pelo contrário, mas é assim a minha vida. Isto foi em 2002 (a 13 de Junho, mais concretamente; aquilo ali na primeira linha do "aqui há uns cinco ou seis anos" é um tique idiota que tenho para dar um ar de quem não quer saber) e portanto os Pixies estavam ainda irremediavelmente separados e eu tinha ali, sentada sozinha ao balcão, a diva indie dos finais de 80. É certo que não esperava que a diva ocupasse tanta área do banco, mas como eu nunca desenvolvi a crush que os meus amigos tinham pela chavala, foi mais uma questão de estranheza do que desilusão. Não desenvolvi a crush com alguma pena também, porque a Kim Deal pode estar enorme, mas era uma miúda gira a valer. Sou até capaz de abrir uma excepção na política interna do blogue e colocar um vídeo exemplificativo disso mesmo no final do post.
Ir até ao balcão foi fácil e era a única coisa lógica a fazer, mas daí a saber o que dizer a seguir já era todo um outro desporto. Depois de pedir uma cerveja olhei dois bancos para o lado e vi uma criatura com o ar mais ressacado do planeta. Não me lembro de alguma vez ter acordado após a mais violenta noite de copos com um ar sequer parecido, e naquele caso já passava das oito da noite. Estava também a beber uma cerveja, curvada sobre o balcão e a olhar para a frente sem muita atenção, desviando os olhos apenas quando levava o cigarro à boca. O ar romântico deste cenário todo é absolutamente verdadeiro, rogo-vos que acreditem. A Kim Deal estava mesmo ao balcão de um bar vazio, com luz fraca e com aquele ar de artista boémio que caiu em desgraça.
Não havia nada parecido com uma boa coisa para dizer a passar-me pela cabeça. Felizmente controlei-me e não disse coisas estúpidas como I'm a humble guy with healthy desire (puxar por versos do Frank Black teria sido de uma inteligência sem precedentes) e também não lhe tentei explicar que a Sagres é uma cerveja melhor do que a Super-Bock que ela bebia, porque já sabia que não havia e eu próprio estava a beber a mesma coisa. Achei que pedir-lhe um cigarro era sensato e um bom princípio. Ninguém recusa um cigarro a um fumador, disse para mim muito contente, é um código que temos (eles têm e eu tinha) e que ninguém quebra. Mas logo a seguir pensei melhor e não é bem assim. Já há uma corrente com muitos adeptos que dizem orgulhosos a quem passa e pergunta por tabaco que têm cigarros mas que não vão dar. Não só não penso mal destas pessoas como por vezes gostaria de ter sido assim, mas eu nunca tive uma alma muito subversiva e custa-me quebrar regulamentos sociais se não tiver mesmo que ser. De qualquer modo o melhor era mesmo excluir o cigarro e pensar rapidamente noutra estratégia.
Lume! Genial! Lume e as horas dão-se sempre, é impossível recusar um pedido destes, e depois enfim, logo se via, podia até ser que ela tratasse do resto da conversa. Assim que limpei discretamente a voz pedi-lhe lume do isqueiro que ela tinha à frente em cima de um maço de Marlboro. O que se passou depois não é nada grave e nem eu esperava outra coisa: revirar os olhos, suspirar ruidosamente,levantar-se do banco, olhar-me de cima a baixo e uns intimidantes segundos a olhar-me fundo nos olhos para logo a seguir me virar costas e dirigir-se rapidamente para trás do palco a praguejar qualquer coisa baixinho, sem sequer me mandar à merda (com palavras, quero dizer). Houve gente mais maltratada nessa noite, como o rapaz da primeira fila que pediu Pixies e que levou com um copo (de plástico) em cima ou o baixista novo que não acertou com a intro do Cannonball e que teve que a ouvir furiosa a chamar-lhe incapaz enquanto lhe mostrava como se fazia na guitarra, por isso até é bem provável que naquele suspiro enquanto atirava os olhos para cima estivesse algum carinho. De outro modo teria com certeza chamado o segurança para me pôr dali para fora.
Na verdade eram todos giros, mas a Kim Deal era mais. Ao Black Francis já estava ali a gritar-lhe aos ouvidos a obesidade, mas eu sei como isto é e um gajo prefere não saber. O Joey Santiago pode ter menos pinta que os outros mas também não precisa. Partilho a dúvida de alguns comentadores deste vídeo no youtube sobre que guitarra será esta do Santiago, todos concordam que é uma Gibson mas ficam-se por aí. E assinalo ainda que andei anos e anos em sucessivas misheard lyrics com esta letra, mas é uma coisa maravilhosa. A do Frank e todas as que eu fui inventando desde os 15 anos.