Um blogue na sua segunda época e agora sem objectivos materialistas e apostas por resolver. Pancadinhas no ombro, sentimentos de desilusão e mágoa e bilhetes para o próximo jogo do Sporting podem ser enviados para adeuscianeto@gmail.com

quarta-feira, 26 de março de 2008

Nothing but a coward

Eu posso inventar mil e uma patranhas para justificar o meu gesto de abandonar os cilindros nicotinados, mas a verdadeira razão para eu ter deixado de fumar resume-se a uma simples palavra: medo.

Deixei de fumar porque tenho medo dessa palavra curta e grossa chamada cancro e a vida, ou melhor, a morte acaba de me dar mais um exemplo de que esse animal mata sem dó nem piedade. Estive hoje no funeral do mais velho dos meus tios. 75 anos. Só descobri que ele estava doente depois de ter descoberto que estava morto. Há uma semana foi ao médico. Tosses e dores esquisitas. Exames e bingo, cancro do pulmão. Lesões antigas de uma tuberculose no início da idade adulta mascararam a presença da peste negra nos pulmões. E depois, inacreditável coisa esta, já era tarde. Morreu numa semana. O meu pai nem sabia qual era a doença, sabia só que estava internado e planeava visitá-lo, coisa que não chegou a fazer.

Um dos irmãos do meu falecido tio é médico. Desses médicos que sabem que entre o que faz bem e o que faz mal há todo um cambiante de tons que não permitem visões maniqueístas. Quase tudo o que nos dá prazer faz mal e o meu tio médico sabe isso como ninguém. O irmão mais velho morreu aos 75 e fumava muito. Mas ele sabia que fumava demais. O médico explica que um tumor no pulmão só é detectado no raio x quando tem o tamanho de uma moeda, ou seja, quando já tem entre sete anos e nove anos de vida. Nessa altura, ainda é possível removê-lo, mas não deixa de ser aterradora a ideia de ter uma criatura enviada pelo demónio a viver nos teus pulmões durante sete anos até que dês por ela.

Este é o segundo, aliás minto, o terceiro caso de pessoa próxima de mim que morre de cancro do pulmão. E contra este medo puro e básico não há prosa very cool ou sentimentos contestatários que me façam duvidar da convicção de que não posso voltar atrás. Poderei morrer de mil e uma maneiras, mas quero morrer sabendo que não sabia.